O caminho para conhecer o verdadeiro Camboja passa por um tênue fio dourado produzido pela natureza. Introduzido pelos indianos na reinado do Khmer Imperial, entre os séculos 9 e 15 d.C, a seda foi uma atividade brilhante durante séculos. Literalmente. Ao se adaptar ao clima e às amoreiras da região, o bicho da seda passou a produzir um fio naturalmente dourado, altamente desejado pelas nobrezas da região. No post de hoje, vamos contar o que aprendemos na nossa visita à Rota da Seda no Camboja.
Koh Dach
Atualmente (2024) existe mais de um ponto de produção de seda no Camboja. Um deles muito famoso em Siem Riep. Nós, porém, optamos por visitar Koh Dach, a Ilha da Seda, na região de Phnom Penh. O acesso é fácil a partir da cidade e tem a vantagem de agregar um passeio de bicicleta.
Koh Dach fica no meio do Rio Mekong. Para chegar lá, precisamos de um…
Tuk-tuk, mr. Tom!
Mr. Tom nos levou até o ferry na região do Pagode Vearin. Ali, pagamos algo como um dólar pelos quatro passageiros. A travessia é rápida e tranquila, o ferry é barato, mas não espere conforto. Todos viajam de pé em meio a motos e carros. Com coragem suficiente, é possível comprar street food ali mesmo.
Bicicletas na ilha
O passo seguinte, assim que colocamos os pés na ilha, foi alugar bicicletas. Nossa intenção era pedalar para agregar algum excercício ao passeio.
Na saída do terminal de ferry, uma avózinha muito simpática nos alugou quatro bicicletas por preços reduzidos. Os netos calibraram os pneus, nós reabastecemos os cantis e partimos para a travessia da ponte metálica que nos levaria à produção da seda.
As bicicletas eram boas, mas a minha era um pouco barulhenta, é preciso adimitir.
A rota da seda no Camboja
As ruas da Ilha da Seda me levaram a uma viagem no tempo. São praticamente vazias, algumas ainda de chão batido. Há uma paz no ar, além do calor. Pouquíssimos carros e apenas uma ou outra scooter – ou não estaríamos na Ásia – disputam o espaço com os ciclistas.
Uma dessas scooters nos abordou enquanto ainda cruzávamos a ponte de metal. Amy se oferecia para nos levar à casa da família dela, onde as primas e tias trabalham nos teares tradicionais.
Oferta aceita, partimos para começar a entender a rota da seda no Camboja.
Tear tradicional
A casa da família de Amy ainda segue o formato original das famílias tecelãs. Quartos e sala no andar de cima, onde estão penduradas as fotos produzidas da família em roupas tradicionais; cozinha, banheiro e teares no andar de baixo, onde algumas redes de descanso pendem dos pilares.
Praticamente uma palafita sobre um rio de seda.
Tradição ameaçada
Como aconteceu com quase todas as tradições artísticas do Camboja, a “revolução cultural” do Khmer Vermelho entre 1975 e 1979 também ameaçou o tear da seda. Pol Pot queria erradicar “tradições decadentes” para iniciar a história do país do zero.
Milhares de pessoas pagaram preço alto pela dedicação a essa arte. Além da perseguição aos artesãos, houve um esforço de conversão dos campos em arrozais. Nesse processo, o regime derrubou quase todas as amoreiras. Usada como alimento pelas lagartas, a folha dessa árvore garante a produção do casulo com fio dourado.
Algumas amoreiras, porém, sobreviveram e um esforço de plantio nos anos mais recentes ajudou na retomada da atividade.
Aula mão na massa
Já na chegada à casa da família de Amy, encontramos duas mulheres tecendo nos equipamentos tradicionais. Tivemos de controlar, porém, o impulso de ir diretamente aos tecidos. Antes, Amy nos deu uma aula “mão na massa” sobre como preparar o fio da seda quando ele chega à tecelagem.
O primeiro passo é transferir o fio para cones. Experimentamos as rodas de bicicleta improvisadas que giram os cones. Assim que são enrolados, os fios vão para o tear onde as tecelãs criam desenhos incríveis nos tecidos.
No vídeo abaixo, Caio nos mostra um pouquinho do processo.
Restaurante na margem do Mekong
Assim que saímos da lojinha, com as sedas devidamente compradas, pedalamos para o restaurante Black Bamboo, às margens do Rio Mekong.
O local pertence um casal, ele austríaco, ela cambojana. Tem mesas externas num deck agradável, de frente para o rio. O cardápio mistura comida italiana, com queijo e farinha importados da itália, a receitas cambojanas como o tradicional fish amok. A cerveja é artesanal, produzida na casa.
Terminada a refeição, os clientes podem cochilar nas redes à sombra do deck.
Da mariposa…
A decisão de aceitar o convite de Amy foi boa, mas inverteu o fluxo da produção da seda. Na tecelagem, aprendemos como as famílias produzem os tecidos. Faltava entender, porém, como o bicho da seda produz o fio.
Montados em nossas bicicletas barulhentas, seguimos para o Silk Island Museum, um ponto bastante turístico, por onde quase todos passam primeiro.
Ali, um guia nos explicou todo o ciclo. Assim que deixam os casulos, as mariposas acasalam e botam milhares de ovos. Dos ovos nascem as larvas. Elas se alimentam das folhas de amoreiras e quando atingem a idade certa, procuram um cantinho para vomitar o fio, construindo o casulo.
À Seda!
Ok, se você tem filhos e em algum momento leu A Lagartinha Comilona, do Eric Carle, já sabia dessa parte. (Caio adorava esse livro, teve até um aniversário com decoração de lagarta).
Uma coisa é saber na teoria. Outra, porém, é ver na prática! O vídeo abaixo da galeria ajuda a entender a mágica da aprendizagem com significado. Preste atenção ao “oooooó” do Luca no fundo, mais próximo do final!
Mas, voltemos à produção da seda. Logo que são colhidos pelos produtores, os casulos vão para a panela. Depois de fervidos, soltam o fim que é enrolado nas resmas. Confira nas fotos o ciclo completo.
Planeje sua visita
- Você pode contratar o tuk-tuk para levá-lo até a ilha. Os motoristas cobram em 25 e 35 dólares.
- Mr. Tom tem experiência como guia e se comunica razoavelmente em inglês. E-mail dele: doughthurk@hotmail.com. Telefone: +855 092 67 80 77.
- Se preferir pedalar, porém, o aluguel das bicicletas na ilha é logo na saída do ferry. Bicicletas normais custam 3 dólares cada e montain bikes, 4 dólares. Pelo passeio completo.
- O ferry no Pagode Vearin não tem horários fixos. Parte sempre que enche e cruza o rio nos dois sentidos o dia todo. Duas balsas fazem a travessia, então a espera não é grande.
- O restaurante Black Bamboo tem preços razoáveis e comida de qualidade. Não tem site, mas tem página no Facebook.
- O Museu da Seda é um passeio bacana. O guia está incluído no ingresso, mas é esperado que você deixe uma gorjeta no final.
- Se você passar pelo museu antes de visitar uma loja familiar, não compre tecidos. O preço que nos pediram foi 100 dólares por uma peça que fora dali as famílias vendem por 25 dólares.
- Mesmo nas lojinhas, negocie. Você vai conseguir abatimentos.
- Seja um bom turista, porém. Lembre-se de que o melhor preço é o que você pode pagar sem explorar quem vende.
- Nós ficamos felizes com o tear da família da Amy. Ela nos presenteou com os cachecóis típicos do Camboja – esse que uso na foto da bike. Por isso, embora eu não esteja recebendo comissão alguma, considere-me suspeito na indicação. O endereço está no QR CODE abaixo.
Comments
7 respostas para “A Rota da Seda no Camboja”
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Parabéns pela matéria! Impressionante fazerem as estampas da seda no tear e MUITO bacana Luca e Caio apresentarem as descobertas…. Adorando acompanhar! Abraços
Obrigado, Sheila! Que bom encontrar você por aqui! Abraços.
Amei! A leitura me fez sentir que estava acompanhando vocês.
Que bom, Gabriela! A ideia era é essa mesma. 🥰