Nasi goreng, nasi mie, nasi campur, nasi ayam… Acho que nasi foi a primeira palavra que aprendi em Bali, ainda antes de selamat pagi (bom dia) ou mesmo terima kasih (obrigado). Nasi é uma palavara quase onipresente. Preenche o nosso dia do café da manhã ao jantar, está em todos os cardápios e nos cartazes dos warungs (restaurantes) que decoram as ruas.
Nasi é uma das palavras em indonésio para denominar arroz. Existem pelo menos outras duas para se referir ao alimento mais popular no sudeste asiático e base da alimentação de tantos países ao redor do mundo, incluindo o Brasil.
A história do arroz em Bali tem mais de 2.500 anos, e em torno desse cereal foram estruturadas formas de organização social, rituais religosos, protocolos medicinais tradicionais… A minha história com o arroz balinês, porém, começou só alguns dias atrás, quando fui conhecer de perto um projeto local empenhado em resgatar as tradições de plantio de arroz na ilha: o Astungkara Way.
Astungkara Way
O Centro 1 de Aprendizado em Agricultura Regenerativa do Astungkara Way surge como um refúgio ao final de uma caminhada de 15 minutos sob o sol. O local não tem ar-condicionado, mas nem precisa. O projeto de edificação tradicional de Bali usa bambu na estrutura dos prédios. O teto de palha oferece sombra e a total ausência de paredes complementa o sistema natural de refrigeração ao permitir a passagem da brisa.
Sentados em roda, os visitantes recebem água aromatizada, um quitute adocicado feito de massa de mandioca cozida e frutas balinesas – mamão e salak. Embora seja delicioso, o mamão não chega a ser novidade. Já o salak, também conhecido como snake fruit, é um convite à curiosidade.
Com formato de um figo e casca que lembra a pele de uma cobra, o salak tem uma poupa branca que envolve uma semente grande marron. A gente tira a pele da cobra e come a poupa, que tem uma textura seca e levemente adocicada, mais para o neutro.
Enquanto nos deliciamos com o lanche, aprendemos sobre o conceito de turismo regenerativo que o Astungkara Way busca promover. As experiências oferecidas têm um objetivo maior do que só divertir. Elas querem regenerar – regenerar o jeito de plantar arroz, o jeito de fazer turismo, o olhar de quem se abre para essas realidades.
Esperança e vontade divina
A tradução livre de Astungkara é esperança, ou vontade divina. Por isso essa palavra dá nome ao movimento iniciado por um grupo de dez agricultores balineses em conjunto com alguns expatriados interessados em promover a união entre a milenar cultura do arroz e a pujante indústria do turismo.
Para atingir esse objetivo, o grupo regastou formas milenares de plantio, livre de agrotóxicos, e criou roteiros de turismo regenerativo. O nosso passeio ali é o mais simples entre esses roteiros. Em meio dia vamos aprender como os agricultores voltaram a plantar utilizando técnicas que eram empregadas pelos avós deles antes da invenção dos fertilizantes químicos. Outros roteiros envolvem peregrinações de até dez dias e 132 quilômetros cruzando a ilha de Bali.
Chapéu chinês, patos e pé na lama
Antes de sair a campo, os turistas são convidados a vestir um daqueles icônicos chapéus chineses, feitos em palha e em formato de cone. Devidamente paramentados, seguimos para o primeiro campo. Além de Ming, somos orientados agora também pela engenheira agrônoma Ni Ketut Widya Astuti, que se juntou ao Astungkara Way após se formar na universidade.
Wydia nos mostra algumas das técnicas de plantio baseadas no conhecimento tradicional. Para afastar insetos, por exemplo, os agricultores cercam os arrozais com “barreiras” de arbustos de ervas, flores e leguminiosas. Além de dificultar o acesso das pragas, os arbustos atraem polinizadores e enriquecem a dieta alimentar das famílias dos agricultores. O controle de pragas e ervas daninhas, por sua vez, é feito por patos. Soltos pelos arrozais, eles caminham o dia todo pelas áreas alagadas comendo os caramujos e pisoteando o mato indesejado. De quebra, defecam pelo campo, contribuindo para a fertilidade do solo.
Depois das explicações, Wydia nos leva a um campo onde o arroz ainda esta crescendo e nos orienta a tirar as sandálias e chinelos. Vamos entrar na área encharcada do arrozal para ajudar a remover ervas daninhas. É possível usar ferramentas que arrancam as plantinhas, ou simplesmente pisoteá-las com os pés. “Vocês vão fazer o trabalho dos patos”, brinca Wydia. “Mas não precisa comer os caramujos, ok, pessoal? A gente tem almoço pra vocês mais tarde.”
Como um ser humano urbano, nascido e crescido no solo asfaltado de uma grande metrópole, confesso que nunca senti grande atração pelo barro. A sensação de afundar até a canela na lama cinzenta, macia e quente do arrozal, porém, foi reconfortante. É preciso manter a atenção para não perder o equilíbrio, mas tirando isso, a experiência é prazerosa.
O adubo orgânico
Os patos ajudam a adubar o campo com o cocô que deixam enquanto passeiam, mas a fertilização exige um empenho maior e é feita antes do plantio. Dispostos a não adicionar os fertilizantes químicos, os agricultores passaram a preparar o próprio composto que mistura basicamente esterco bovino, pedaços de caule das bananeiras, e os restos das plantas do arroz que foi colhido na safra anterior
Na estação de composto não é preciso tirar os sapatos. Basta arregaçar as mangas para picar o caule de bananeira e misturá-lo ao esterco bovino. Depois da mistura feita, os turistas – alguns menos enojados do que outros – colocam a mistura em terraços de bambu forrados com sacos de ráfia e a cobrem com palha de arroz, para manter o adubo úmido. Isso é essencial para a manutenção das minhocas. São elas que vão digerir o material e tornar o adubo pronto para uso em pouco menos de um mês.
Barriga no fogão e almoço no prato
Concluídas as estações no campo, todos lavam pés e mãos na expectativa do almoço. A barriga já está roncando, mas antes de comer, é preciso trabalhar. Os turistas são convidados a picar temperos e folhas enquanto aprendem sobre alguns aspectos da alimentação local. Eu ajudei a picar cebola roxa e pimentas para o sambal, uma espécie de vinagrete apimentado, e depois me ofereci para pilotar a woki da chef Ilouh no preparo de uma sopa de ervas com leite de coco natural.
Depois do almoço delicioso e de um sessão de 15 minutos de yoga nidra, nosso passeio termina com uma oficina em que fazemos braceletes com sementes de Jali-Jali, ao mesmo tempo em que conversamos com Tim Fijal, um canadense que se juntou aos agricultores balineses na fundação da Astungkara Way.
Ex-professor de inglês, Tim mora em Bali desde 2012 e tira dúvidas sobre os desafios enfrentados e as conquistas dos agricultores do projeto até aqui. É tanta história, porém, que rende uma reportagem inteira só sobre a explosiva combinação entre fertilizantes químicos e turismo predatório. Mas esse, quem sabe, será assunto para um futuro post.
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Para saber mais
- Confira as trilhas regenerativas da Astungkara Way
- Confira as experiências agrícolas da Astungkara Way
- Assista a um documentário curto sobre a caminhada de 3 dias com a Astungkara Way
- O que é uma viagem transformadora
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3 respostas para “Astungkara way e a tradição do arroz em Bali”
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