Antes de mais nada, se você está chegando ao DESNORTEANDO só agora, é importante explicar: este post é continuação deste outro, escrito na semana passada. Recomendo, portanto, que você leia aquele primeiro. Lá eu conto mais sobre a nossa chegada a Siem Reap, a cidade do Camboja onde fica o Sítio Arqueológico de Angkor. Aqui, o tema vai ser principalmente a história do império Khmer, a partir da visita que fizemos aos impressionantes templos de Angkor.
Pronto para embarcar nessa viagem? Então vamos voltar no tempo.
Ascensão do Império Khmer
Embora alguns sítios arqueológicos indiquem presença humana na região do Camboja desde a pré-história, os indícios mais numerosos são mais recentes. O cultivo do arroz, por exemplo, trazido da China, teria começado por volta de 23 mil anos antes de Cristo.
Foi justamente o cultivo do arroz que eventualmente proporcionou o surgimento dos primeiros reinos, a partir do século 1 d.C. Graças à abundância dessa produção, a Kampuchea chegou ao apogeu a partir do século 9, com as ascensão do Império Khmer.
Mais ou menos na mesma época, aliás, em que a religião oficial passou a ser o Hinduísmo, resultando nos magníficos templos do complexo de Angkor, tema principal do nosso post de hoje.
O parque arqueológico
O Parque Arqueológico de Angkor é realmente imenso. Ele abrange atualmente ruínas de diversos templos e palácios que datam do auge do Império Khmer, entre os séculos 9 e 15.
As ruínas estão espalhadas principalmente por uma área de 400 quilômetros quadrados. Estudos recentes, porém, indicam que Angkor, no auge do Império, se estendia por 3 mil quilômetros quadrados, com uma população estimada de 500 mil habitantes.
Em resumo, trata-se do maior assentamento da humanidade na era pré-industrial. E eu não posso deixar de ficar chocado, portanto, com o fato de não aprendermos absolutamente nada sobre essa civilização na educação ocidental formal. Mas, jogo que segue.
Os impressionantes templos de Angkor
Apesar de toda esse patrimônio, nossa visita se limitou a quatro construções principais. Foi o que coube em nosso planejamento que previa apenas um dia para o complexo de Angkor.
Ah, mas por que não planejamos mais tempo? Quem algum dia já viajou com filhos adolescentes sabe a resposta a essa pergunta.
Embora eu me sinta na obrigação de registrar: em Angkor, Luca e Caio foram muito mais receptivos do que, por exemplo, nos museus em que os levamos na Europa. Eu credito essa abertura à beleza dos templos que visitamos:
– Angkor Wat, o mais conhecido e mais importante templo;
– Bayon Wat, o primeiro originalmente budista;
– Baphuon Wat; um dos mais antigos, anterior a Angkor; e
– Ta Prohm Wat, construído como um convento budista no início do século 13.
Angkor Wat debaixo d’água
Por incrível que pareça, o nome Angkor Wat não era totalmente novo para Luca e Caio.
Ainda pequeninos, eles ganharam um livro infantil de uma amiga da Priscila que havia vivido no Camboja. O livro contava a história de uma pesquisadora que pegava sua motinho e ia visitar o mundo mágico de Angkor Wat.
Era um livro ilustrado com desenhos feitos pela própria autora. Foi a primeira vez que eu ouvi falar nesse lugar. Não sei onde foi parar o livro, em meio a tantas mudanças, mas alguma lembrança ficou.
Por conta disso, nós já sabíamos um pouco o que esperar na manhã seguinte, quando acordamos às 4h30 para sairmos do hotel a tempo de assistir o nascer do sol em Angkor.
O que não tinhamos como prever era o temporal que desabou bem quando nos preparávamos para sair.
A magia de Angkor Wat
Capas de chuva resgatadas das malas – sorte ajuda, mas precaução salva a viagem no Sudeste Asiático –, lá fomos nós para a visita molhada ao mais famoso e mais importante templo do complexo de Angkor.
Construído por Suryavarman II, o templo foi erguido entre 1113, quando esse rei tomou o poder, e 1150, quando ele morreu. Em apenas 37 anos, os trabalhadores conseguiram edificar quase todo o complexo, que usa 5 milhões de toneladas de pedras. Uma quantiadade aproximada à usada na pirâmide de Quéfren, no Egito.
Os blocos de arenito de até 4 toneladas eram trazidos de uma pedreira a 40 quilômetros de distância, em embarcações que navegavam os canais. As pedras eram encaixadas, sem uso e argamassa e muitas vezes usavam sistemas de encaixe.
Pesquisadores contemporâneos estimaram que, hoje em dia, um complexo daquele tamanho precisaria de 300 anos para ser construído e ninguém sabe explicar como os khmers conseguiram colocá-lo de pé em apenas 40 anos.
HQ esculpidos
Circundado por um fosso alagado de 5 quilômetros de extensão e 200 metros de largura, o complexo forma um retângulo de 1.500 x 1.300 metros. Foi o centro do império durante o reinado de Suryavarman II e os historiadores calculam que entre os muros do recinto viviam 20 mil pessoas.
Além do templo, dedicado ao Deus Vixnu, responsável pela sustentação do universo no Hinduísmo, o complexo abrigava também o palácio real.
O templo propriamente dito é composto por três recintos concêntricos. O mais central é o mais alto de todos, e conta com cinco torres em formato de lótus. A torre central chega a 65 metros de altura em relação ao solo.
Um dos grandes destaques da visita são os frisos em baixo relevo que rodeiam quase a totalidade das construções. Esculpidos detalhadamente na rocha, eles contam em desenhos histórias do Mahabaratha, principo texto em Sânscrito da Índia antiga. São pelo menos oito histórias de guerras e vitórias de deuses sobre demônios. Praticamente um precussor dos HQs, só que esculpidos na pedra.
Bayon Wat
Depois da visita molhada a Angkor Wat, nós voltamos ao hotel para o café da manhã e descanso. Como os ingressos para o parque arqueológico valem o dia todo (leia mais no quadro abaixo), retornamos no início da tarde para a vista ao Bayon Wat, o primeiro templo construído dentro dos preceitos budistas e a última grande obra do império Khmer.
O rei responsável por esta obra foi Jayavarman VII e a construção foi iniciada no final do século 12. O templo fica no centro de Angkor Thom, a cidade murada que era então a sede do reino Khmer. Ela é bem próxima de Angkor, mas uma coisa que se aprende nesta visita é que a vaidade dos reis khmers era bastante exarcebada.
Após a morte de Suryavarman II, Angkor Wat caiu em desuso. Os Cham, um povo inimigo que vivia no Vietnã, derrotou os exércitos do Khmer em 1177 e pilhou o templo. Jayavarman VII derrotou os Cham e recuperou a grandeza do império Khmer. Logo, ele decidiu que precisava de um templo ainda maior e mais impressionante, só que dedicado ao Budismo.
Como os reis se consideravam deuses, a principal característica deste templo são as inúmeras faces de Buda nas torres – todas elas talhadas à imagem do próprio Jayavarman VII. São 216 faces, ao todo, espalhadas pelas torres e por imagens do complexo.
Aqui também há esculturas em baixo relevo em abundância, mas a diferença é que elas contam histórias de batalhas do Império Khmer e cenas cotidianas da vida na época.
Baphuon Wat
Logo ali pertinho de Bayon fica um dos templos mais antigos do Complexo. Datado do século 11, Baphuon Wat teria sido construído pelo rei Suryavarman I, entre 1010 e 1050 d.C. Originalmente dedicado ao deus Shiva, do Hinduísmo, o templo foi posteriormente convertido ao budismo.
A estrutura do templo começou a ruir ao longo do século 20. Restauradores iniciaram um plano de recuperação, mas todos os trabalhos pararam nos 1970, por por conta das guerras na região. Somente em 2011 ele finalmente pode ser reaberto ao público.
O templo de Angelina Jolie
É uma pena chamar assim ao lugar mais impressionante de todos, mas depois que o filme Tomb Raier usou Ta Prhom como cenário, em 2001, muita gente passou a se referir ao templo por esse apelido.
O Rei Jayavarman VII construiu oTa Prohm Wat entre o final do século 12 e início do século 13. O objetivo era abrigar um monastério budista. De acordo com os registros, o templo chegou a abrigar 12.500 pessoas, incluindo 18 altos sacerdotes. A vila ao redor teve 80 mil pessoas que proviam os serviços necessários aos monges.
A partir do século 15, com o abandono do local, a natureza reclamou seu espaço de volta. As árvores se infiltraram de tal forma entre as paredes de pedra edificadas sem cimento que uma remoção completa resultaria na destruição do templo. Os restauradores, então, optaram por deixar as árvores no local, o que resultou no belíssimo cenário da galeria a seguir. Pra mim, o mais bonito de todos os templos.
O fim do Império
Durante os seis séculos do apogeu, o reino da Kampuchea nunca parou de guerrear com seus vizinhos, especialmente os povos das regiões onde hoje estão a Tailândia e o Vietnã.
O que acabou levando ao declínio do império Khmer, porém, foi o meio ambiente. Secas sucessivas no século 13 afetaram a produção de alimentos, especialmente o arroz, minando a força do reino na capital, Angkor. Os historiadores também acreditam que a produção tenha sido afetada pela primeira fase da Pequena Idade do Gelo, que derrubou as temperatuas no planeta entre 1290 e 1400.
Não deixa de ser uma lição para quem não acredita em mudança climática.
Outras fontes, além disso, combinam o efeito ambiental com a questão religiosa. A partir desse século, afinal, a Kampuchea se torna budista e a força de trabalho perde o ímpeto para se dedicar mais à religião.
O efeito prático foi a dispersão dos súditos a partir do momento em que a comida começa a escassear.
A partir do século 15, o reino da Kampuchea enfraquece. Ataques e derrotas seguidas para seus vizinhos beligerantes o colocam em situação de submissão. Até que em 1863, o rei Norodon – colocado no poder pelos Tailandeses –, pede socorro a Napoleão II e o país vira, oficialmente, parte da Indochina Francesa.
Planeje a sua viagem
- O Parque Arqueológico de Angkor oferece tíquetes para 1, 3 e 5 dias.
- Os ingressos são pessoais e intransferíveis. Você deve fornecer uma foto sua que fica associada ao tíquete.
- Crianças que já tenham completado 12 anos na data da visita pagam ingressos. O documento será exigido na entrada.
- Os tíquetes podem ser comprados pela internet, no site oficial do parque, com um dia de antecedência, mas não no mesmo dia.
- Você só pode comprar tíquetes para o mesmo dia no ponto de venda do parque, que é distante dos templos.
- O telefone do escritório de venda de ingressos é (+855) 63 965 414 e o e-mail é angkorenterprisekh@gmail.com
- Os preços para as entradas são US$ 45 (1 dia), US$ 72 (3 dias) e US$ 82 (5 dias). Todos os tíquetes permitem multiplas entradas no complexo.
- A visita aos templos é o tipo de passeio em que um bom guia faz toda a diferença. Nós tivemos a sorte de contar com o profissionalismo do Thearo, um jovem cambojano apaixonado pela história do Khmer com um bom nível de inglês. Pagamos US$ 70 dólares pelo dia da visita, já com o tuk-tuk para cinco pessoas incluído. O telefone do Thearo: (+855) 89 400 960. É possível combinar pelo WhastApp.
Comments
Uma resposta para “Os impressionantes templos de Angkor”
[…] de tanta imersão nas florestas dos elefantes e nos templos antigos do Império Khmer, os meninos estavam sobretudo ávidos por um pouco de modernidade. A passagem na fronteira entre […]